segunda-feira, 22 de junho de 2020

No seu livro "eu e os políticos" José António Saraiva fala de José Pacheco Pereira

 José António Saraiva,  ex-director do Expresso escreveu um livro interessante e polémico ao mesmo tempo : "Eu e os políticos". 

 Publicamos aqui um excerto da obra. Saraiva foi muito criticado mas aos seus críticos  reagiu  e contra argumentou com os valores da liberdade de expressão.

«José Pacheco Pereira


 Um belo dia, no fim de um encontro em S. Bento, no fim dos anos 80, Cavaco Silva fala -me de alguns colunistas do Expresso. Não gosta do Vicente Jorge Silva, meu director -adjunto (recusando- -se a ser entrevistado por ele). Também não gosta nada do Nuno Brederode Santos, do qual não diz o nome e que refere como «aquele colunista que você lá tem para dizer mal de mim». E dito isto, pergunta -me: «Quer uma sugestão? Por que não convida o Pacheco Pereira para escrever no seu jornal? Era uma boa aquisi‑ ção...» Agradeço mas rejeito interiormente a ideia. Pacheco Pereira tem nesta altura uma coluna de opinião num jornal qualquer (talvez o Semanário) que não me parece particularmente interessante.

 Encontro no comboio

 Mais ou menos por esta época encontro Pacheco Pereira no comboio para o Porto. Eu e a Maria João Avillez vamos ao Norte entrevistar o pintor Henrique Medina, que está muito velhinho. Pode morrer de um momento para o outro — e perderemos a oportunidade de entrevistar um grande pintor (que não está na moda por ser um clássico, protegido pelo Estado Novo, mas que tem uma grande obra e alcançou mesmo prestígio internacional). 
 Vive num hotel na Póvoa de Varzim — o Hotel Vermar —, que tem fama de ser excelente, magnificamente orientado, e é para lá que nos dirigimos. Pacheco Pereira, que viaja na mesma carruagem, José Pacheco Pereira  vê -nos, levanta -se e vem até ao nosso lugar cumprimentar-nos.   Depois começa a contar a história de uma polémica pública que tem nos jornais com o Eduardo Prado Coelho, crítico literário e intelectual do PCP. Nem eu nem a Maria João acompanháramos essa polémica, pelo que não percebemos patavina do que ele nos dizia. Só percebemos que o despique verbal fora (ou estava a ser) renhido e que na sua origem estava qualquer coisa relacionada com o comunismo. Pacheco é ferozmente anticomunista. Fez parte da esquerda liberal, com José Manuel Fernandes e João Carlos Espada, e aproximou -se do PSD.
 Eu e a Maria João tínhamos pensado aproveitar a viagem para preparar a entrevista, mas tal mostra- -se impossível: Pacheco Pereira não sai de junto de nós, embora a situação seja bastante incómoda para ele, pois tem de se afastar constantemente para dar passagem às pessoas que circulam na coxia. Mas isso não o demove, e permanecerá ali durante boa parte do trajecto.

 Um comportamento pouco digno. 

Aquela foi a primeira vez que tive contacto mais directo com P. P. e achei-o um chato. Muito tempo depois ele impôs-se como um opinion maker bastante escutado, criou um blogue com muitos seguidores e pôs-se a hipótese de o convidarmos para colaborar no Expresso. Neste momento, Cavaco Silva já tinha saído há muito de S. Bento. Julgo que levantei algumas objecções, mas o convite acabou por ser feito pelo José António Lima, e o início da coluna foi marcado para determinada data. Mas no dia aprazado P. P. não entregou nada — e mandou uma secretária dizer que estava fora do país e não podia escrever. Achámos estranho, mas aceitámos a explicação. Na semana seguinte, o episódio repetiu -se: a mesma secretária, já perto do dia de fecho, explicou que ele estava doente e não podia escrever. «Mau!», dissemos. «Isto não está a começar bem.» Eis senão quando, um ou dois dias depois, o Fernando Madrinha, subdirector do Expresso, me vem dizer: «O Pacheco Pereira vai escrever para o Diário de Notícias.» 
 «Não pode ser!», reajo com veemência. «Deve tratar‑se de um mal‑entendido. Ele tem um compromisso connosco para escrever aqui.» 
 Estou absolutamente convencido de que deve haver ali grossa confusão. «Eu sei disso», insiste o Madrinha, «mas encontrei o Mário Bettencourt Resendes [director do DN], que me contou que esteve com o Pacheco Pereira e este lhe disse que ia escrever no Expresso. Então, o Mário Resendes perguntou‑lhe: ‘E quanto é que lhe pagam?’ ‘Pagam X’, disse Pacheco Pereira. ‘Então, eu pago‑lhe Y.’ E logo ali ele se comprometeu a escrever para o DN.»
 Custava a acreditar — mas era verdade. Uma ou duas semanas depois Pacheco Pereira começaria de facto a escrever no Diário de Notícias. E nunca nos deu a menor explicação. Nunca disse nada. Os mais moralistas são muitas vezes os que fazem maiores patifarias. Devo dizer, entretanto, que tenho para com ele uma dívida de gratidão no plano pessoal, pois apresentou um livro do meu pai (com a correspondência epistolar que manteve com Óscar Lopes) e participou numa homenagem em sua memória no CCB, organizada pelo Centro Nacional de Cultura, presidido por Guilherme d’Oliveira Martins. Além disso, revelou -se sempre seu sincero admirador. Devo -lhe isso.»



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